sábado, 24 de setembro de 2011

Tesouro na Terra, Tesouro no Céu (ou Teologia da Miséria)


G. Montenegro.
Por que o erro da 'Teologia da Prosperidade' é tão persistente, e por que vemos tal erro ser diariamente pregado nos púlpitos de igrejas que abertamente o condenam? Estou convencido de que o motivo é completamente estrutural: a crítica que atualmente se faz à teologia da prosperidade nos círculos evangélicos apenas remove alguns galhos, mas permite que a má árvore continue a viver. Não remove a raiz.

E por que isso acontece? Porque o homem contemporâneo foi ensinado a temer a pobreza. Foi ensinado a planejar. Foi ensinado a crer e buscar o seu próprio sucesso. Em outras palavras: foi ensinado a aceitar a ganância e a ambição. Na realidade, foi ensinado tudo aquilo que o homem da idade antiga também era ensinado. Erra quem pensa que a ganância e a avareza são consequências do 'capitalismo'. São consequências do eu. Onde há o eu, há ganância e avareza, qualquer que seja o sistema político, o modelo econômico ou momento histórico.

Mas o problema é ainda mais profundo. Quando se critica a teologia da prosperidade, o que se coloca atualmente não é o seu extremo (0 que alguns chamam de “teologia da miséria”), isto é, a teologia da prosperidade não é substituída por nada; em seu lugar aparece apenas sua negação. Ou seja: em vez de um antídoto enérgico para esse erro, crê-se que um meio termo pálido resolva o problema. Mas não resolve. Nossos púlpitos e o comportamento de nosso cristãos testemunha isso.

Herdamos dos gregos essa cultura de equilíbrio: para o grego (e aqui me refiro a Aristóteles) a virtude consiste na correta medida entre dois extremos. Definitivamente não sou grego! Não acredito em meios termos, em equilíbrio. E, nessa questão, não acredito por motivos estritamente bíblicos.

Um dos pontos que chama mais atenção à pregação de Jesus é aquilo que ele fala sobre renúncia, sobre deixar sua própria família, seus bens e sua casa para o seguir. Nas Escrituras, Jesus chega a declarar: Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo (Lucas 14:33).


E, levantando ele os olhos para os seus discípulos, dizia:

Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus.
Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis fartos.
Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque haveis de rir.
Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem e quando vos separarem, e vos injuriarem, e rejeitarem o vosso nome como mau, por causa do Filho do homem. Folgai nesse dia, exultai; porque eis que é grande o vosso galardão no céu, pois assim faziam os seus pais aos profetas.

Mas ai de vós, ricos! porque já tendes a vossa consolação.
Ai de vós, os que estais fartos, porque tereis fome.
Ai de vós, os que agora rides, porque vos lamentareis e chorareis.
Ai de vós quando todos os homens de vós disserem bem, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas.
(Lucas 6:20-26)

Embora haja uma tendência no Evangelho de Mateus em desliteralizar tais declarações (pobres de espírito, fome e sede de justiça; Mateus 5:3,6), no texto de Lucas a oposição direta (pobres, ricos; tendes fome, estais fartos; chorais, rides; vos odiarem, vos disserem bem) entre os três macarismos e os três ais demonstra a literalidade do texto.

De qualquer maneira, mesmo que o texto em si não seja tomado por literal, a forma como aparecem em Mateus 5 ainda é suficientemente forte para uma crítica à riqueza em si: o pobre de espírito (οἱ πτωχοὶ τῷ πνεύματι; os pobres em espírito) é aquele que carrega a pobreza em seu espírito, que vive como se fosse pobre, que não tem ambição. Não se trata de uma condenação da pobreza em si mesma, mas tendo em vista o ínterim em que a ética neotestamentária se coloca: o ínterim entre o ministério de Jesus e a irrupção do reino de Deus, que radicaliza todas as exigências divinas.

Mas há textos em que é impossível negar tal literalidade. Dois muito especiais são:

Porque, vede, irmãos, a vossa vocação [κλῆσις], que
não são muitos os sábios segundo a carne,
nem muitos os poderosos,
nem muitos os nobres [εὐγενής = fidalgo, bem nascido].
Mas Deus escolheu [ἐκλέγομαι] as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias;
e Deus escolheu [ἐκλέγομαι] as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes;
e Deus escolheu [ἐκλέγομαι] as coisas vis [ἀγενής = mal nascido] deste mundo, e as desprezíveis [ἐξουθενημένα = desprezadas], e as que não são, para aniquilar as que são;
(1 Coríntios 1:26-28)

Ouvi, meus amados irmãos: Porventura não escolheu [ἐκλέγομαι] Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam?
(Tiago 2:5)


A conexão entre Tiago 2:5 e Lucas 6:20 é forte. Em ambos os textos a eleição divina passa pela fraqueza (e não pela força) dos eleitos. Deus elegeu aos mais fracos. Com que propósito? Para que nenhuma carne se glorie diante dele (1 Coríntios 1:29). Cf. Lucas 12:33.

Entretanto, creio que a palavra mais forte a esse respeito seja “Não ajunteis tesouros na terra” (Mateus 6:19). O que é um rico, por definição? Alguém que ajuntou tesouros na terra. Pelo contrário, nos exortam as Escrituras a estar satisfeitos tendo apenas o que comer e com o que se vestir (1 Timóteo 6:8), e, muito mais, a confiar até que tais coisas (nosso pão de cada dia e nossas roupas) provenham de Deus (Mateus 6:25-33). Trata-se exatamente daquilo que o povo de Israel teve quando peregrinou por quarenta anos no deserto: alimento e vestimenta (Deuteronômio 8:3,4).

Na realidade, aquilo que 1 Timóteo 6:8 exige é também aquilo que se pede no Pai Nosso: O pão nosso de cada dia dá-nos hoje (Mateus 6:11). É pão que se pede, uma refeição tão básica que ao longo das Escrituras é quase sinônima de “comida” (e.g. Gênesis 3:19; 41:54).

Tal mensagem de Jesus (a qual, como já dito, é uma mensagem de ínterim, não podendo ser transporta a qualquer outra época, a exemplo do Antigo Testamento) muitas vezes é suprimida na homilética contemporânea por textos que se lhe contrariam. Por exemplo: “Nunca vi desamparado o justo, nem a sua semente a mendigar o pão” (Salmos 37:25). Há, porém, um importante fator interpretativo em jogo. Textos como esse geralmente se prestam, na literatura sapiencial, ao louvor a Deus por algo que é experienciado, e não transmitir uma doutrina. Pelo contrário, encontramos textos em que se diz que “o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao puro, como ao impuro; assim ao que sacrifica como ao que não sacrifica; assim ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme o juramento” (Eclesiastes 9:2). Ou seja: as mesmas aflições podem ser experimentadas tanto pelo justo quanto pelo injusto: o justo pode sim ter que mendigar o pão, ao passo de que o injusto vive na bonança (e.g. Eclesiastes 7:15).

Tampouco pode salvar a teologia da prosperidade o exemplo de crente do passado que foram abençoados por Deus com riquezas e prosperidade (como Abraão, ou Jó). As exigências de Jesus se referem ao reino de Deus e ao Novo Testamento. Ao povo de Israel foram feitas promessas que diziam respeito à terra de Israel, terra que mana leite e mel, terra de bem aventurança. Entretanto, a promessa de Deus ao seu povo no Novo Testamento vai além, de modo a ser necessário rejeitar as coisas desse mundo (inclusive a riqueza) pelas coisas do próximo. Certamente a prosperidade vivenciada por tais heróis da fé é grande bênção, mas maior bênção do que ter abundantes riquezas é ser capaz de viver pela graça de Deus com muito pouco e ser igualmente grato.

Mas é preciso ir além e compreender a natureza do sofrimento. Nem todo sofrimento é bom. O bom sofrimento é aquele que se sofre em nome de Cristo, para ser feito conforme a sua imagem, a “comunhão dos sofrimentos” (κοινωνία παθημάτων; Filipenses 3:10). O caminho do Evangelho passa por tal comunhão dos sofrimentos, em que não só a vida espiritual de Cristo se torna nossa vida, mas também os sofrimentos de Cristo se tornam nossos sofrimentos: não há como dissociar as duas ideias, como mostra 2 Coríntios 4:10. O apóstolo vai além: a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente. O presente sofrimento não apenas será compensado pela glória futura; ele produz tal glória. Por isso podia o apóstolo se gloriar em tais sofrimentos, porque o poder de Deus 'se aperfeiçoa na fraqueza' (2 Coríntios 12:9). Cf. 1 Tessalonicenses 3:3.

Assim sendo, sofrimento não é algo opcional ou acidental. Não é apenas uma consequência de viver no mundo. É, muito mais, parte do discipulado. Ter comunhão com Cristo passa necessariamente por ter comunhão com os seus sofrimentos, sofrer como ele sofreu, ser igual a ele em tudo: “por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus(Atos 14:22). A tradução de δέω como “importar” talvez enfraqueça o significado original do termo. Esse verbo significa “tornar obrigatório” ou “prender”. Para entrar no reino de Deus, é absolutamente necessário passar por muitas tribulações.


cristianismopuro.blogspot.com

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